RESUMO PROVA DIREITO CIVIL A
LIVRO III: DOS FATOS JURÍDICOS
TÍTULO I: DO NEGÓCIO JURÍDICO
CAPÍTULO I: DISPOSIÇÕES GERAIS
1. Noções gerais: negócio jurídico como construção da doutrina alemã, significando “uma manifestação de vontade dirigida para a produção de um efeito jurídico desejado, e não somente dos efeitos descritos em lei”.
2. Fato jurídico: “acontecimento humano ou natural, capaz de produzir efeitos jurídicos, provocando o nascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas (existência de um vínculo entre dois sujeitos, o ativo, titular de um direito subjetivo lato sensu, que pode exigir de outrem, o sujeito passivo, o cumprimento de um dever jurídico ou um estado de sujeição) e dos direitos a ela inerentes”.
Atualmente, ampliou-se o conceito de relação jurídica, qual seja: “relação entre centros de interesse juridicamente relevantes, que configuram situações jurídicas destinadas ao exercício de titularidade subjetiva”.
As espécies de fato jurídico são duas: a) fatos jurídicos naturais ou eventos naturais: “independência em relação à vontade do homem, não sendo, contudo, estranhos a ele, já que atingem as relações jurídicas, e o homem é o sujeito destas, advindo da simples manifestação da natureza, sendo ordinários (nascimento e morte, por exemplo) ou extraordinários (casos fortuitos e de força maior)”; b) fatos jurídicos voluntários ou fatos humanos voluntários: “resultam da atuação humana, positiva ou negativa, e influem sobre as relações de direito, variando as consequências em razão da qualidade da conduta e da intensidade da vontade”, dividindo-se em fatos lícitos (atos jurídicos lícitos lato sensu) e os fatos ilícitos (fatos contrários à ordem jurídica).
Ato jurídico lato sensu: “particularizam-se pela atuação da vontade da parte em sua constituição e na produção de seus efeitos”, dando origem a duas espécies: o ato jurídico stricto sensu (“declaração de vontade dirigida para a produção de efeitos previamente determinados em lei, imodificáveis pela ação volitiva”) e o negócio jurídico (“declaração de vontade dirigida à regulamentação de interesses, ou seja, para a produção de efeitos permitidos em lei e desejados pelo agente”).
3. O negócio jurídico propriamente dito: “declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos voluntariamente perseguidos”. É por meio desta figura que os sujeitos de direito expressam suas vontades e dão a elas existência, conteúdo e eficácia jurídica. Se caracteriza, essencialmente, pela manifestação volitiva. Há maior espaço de atuação das partes na medida em que é garantida a elas a composição do conteúdo, observados os limites estabelecidos pelo próprio ordenamento. A liberdade da construção do negócio, que assenta principalmente na existência de uma declaração de vontade (negocial) destinada a dar vida à relação jurídica desejada pelas partes.
Autonomia privada (autonomia da vontade): “representa a medida na qual o ordenamento reconhece aos indivíduos a possibilidade de praticar atos jurídicos, produzindo seus efeitos”. Esfera de liberdade garantida aos sujeitos para o exercício de direitos e de formação de relações jurídicas.
A conjugação da vontade à manifestação constitui a realização jurídica da vontade, que se exterioriza por meio da declaração da vontade. É composta por um elemento interno, seu conteúdo ou vontade propriamente dita, e de um elemento externo, a forma ou a declaração propriamente dita. A vontade deve ser livre, apta a produzir os efeitos desejados, na medida em que se conformem ao projeto constitucional.
A declaração da vontade por ser expressa (consiste na utilização da palavra, escrita ou falada, ou de gestos que a indiquem, de forma inequívoca, o sentido da vontade do agente) ou tácita (resulta de um comportamento do agente, suficientemente apto a comunicar o conteúdo da vontade do sujeito). Manifestação de vontade pode haver ainda que não haja propriamente uma declaração, como no caso do silêncio, em que o agente expressa sua vontade sem nada declarar.
4. Classificação dos negócios jurídicos: a) unilaterais: quando se perfazem com uma única declaração de vontade; b) bilaterais: quando são necessárias duas declarações de vontade para que o negócio se complete (relação contratual); c) onerosos: “quando implica mútua transmissão de bens”; d) gratuitos: “quando se realiza com vantagem exclusiva para uma das partes, com diminuição do patrimônio da outra”; e) inter vivos: “produção de consequências durante a vida das partes”; f) causa mortis: “adiamento de seus efeitos para depois da morde do agente”; g) principal: existência independe de qualquer outro; h) acessório: destino se subordina a negócio principal; i) solenes: “negócios jurídicos solenes ou formais são os que só têm validade se revestidos de determinada forma”; j) não solenes: “são os de forma livre; não exigem forma especial”.
5. Existência, validade e eficácia do negócio jurídico: a) pressupostos do negócio jurídico: fatos jurídicos anteriores indispensáveis à sua configuração; b) elementos do negócio jurídico: componentes do negócio; c) requisitos do negócio jurídico: são as qualidades que se exige dos elementos.
No plano da existência, são elementos essenciais do negócio jurídico a declaração de vontade, o objeto e a forma. Sem eles o negócio não tem existência. Ao lado dos elementos essenciais estão os elementos naturais, inseridos no negócio pelo ordenamento por meio de normas supletivas; além dos elementos acidentais, que se destinam a modificar a eficácia do negócio.
No plano da validade (artigo 104 CC02), há que se analisar os requisitos que devem qualificar os elementos essenciais: a declaração de vontade deve ser emanada de agente capaz; o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável; a forma deve ser a prescrita ou não defesa em lei.
No plano da eficácia, verifica-se se o negócio existente e válido mostra-se apto à produção de efeitos jurídicos, segundo a legislação aplicável e a vontade das partes.
Artigo 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
6. Capacidade do agente: requisito de validade do negócio jurídico, podendo gerar a nulidade deste nos termos da lei. Tal noção de capacidade remete a dois sentidos, quais sejam: a) capacidade jurídica, de gozo ou titularidade de direitos, inerente a todas as pessoas naturais e jurídicas; b) capacidade de exercício de direito ou de agir, que consiste na possibilidade, atribuída às pessoas naturais, de atuar autonomamente em relações jurídicas, seja por si próprias ou por meio de um representante voluntário. Aqui importa a segunda capacidade descrita. O conceito de capacidade deve ser conjugado com o sentido de legitimidade, isto é, permissão para a prática de um negócio jurídico em especial.
7. Objeto lícito, possível, determinado ou determinável: é possível detectar, num negócio jurídico, um objeto imediato ou jurídico (efeito jurídico esperado, comportamento esperado pelos agentes) e um objeto mediato ou material (remete à materialidade, ao bem sobre o qual recaem os poderes dos agentes do negócio jurídico). O requisito da licitude consiste na conformidade de uma forma ampla com o ordenamento jurídico. O requisito da possibilidade do objeto relaciona-se com o sentido de liceidade quando se trata da possibilidade jurídica de um determinado comportamento (não se confunde com a possibilidade física ou material). O requisito da determinabilidade, por fim, sendo determinado (possível de destacar todas suas características de forma precisa, desde o momento da realização do negócio jurídico) ou determinável (determinação no plano da eficácia do negócio jurídico, pois se não o for, tal negócio será nulo).
8. Forma prescrita ou não defesa em lei: requisito formal referente ao formato assumido pela manifestação da vontade, sendo, em regra, a liberdade da forma no ordenamento jurídico (artigo 107: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir”), porém passível de exigibilidade formal especial. Em caso de inobservância das formas necessárias, o negócio será nulo, constante no artigo 166, IV e V.
Artigo 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-interessados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.
O instituto que supre a ausência da capacidade de exercício denomina-se representação, modo pelo qual uma pessoa, o representante, pratica atos que serão sentidos na esfera jurídica de outrem, o representado, pois agem em seu nome e interesse, podendo decorrer tanto de lei (representação legal) como da vontade dos sujeitos (representação voluntária). Uma vez que tal instituto existe para proteger os incapazes, verifica-se a impossibilidade da parte de alegar a nulidade do negócio devido a incapacidade de outrem, ainda que seja parte do negócio jurídico invalidado, salvo se houver a indivisibilidade do objeto do direito ou da obrigação (impossibilidade de separação do interesse do incapaz do da outra parte).
Ainda, impede-se o próprio incapaz de beneficiar-se de sua condição se dela tinha consciência, pois a ninguém é dado o direito de se beneficiar de sua própria torpeza (artigo 180).
Artigo 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.
Objeto impossível é aquele materialmente insuscetível de existir ou juridicamente defeso em lei. A impossibilidade (física ou jurídica) do objeto que poderá invalidar o negócio jurídico há de ser inicial (verificável no momento da conclusão do negócio jurídico) e absoluta (irrealizável por qualquer agente).
Artigo 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
O consensualismo é, portanto, a regra; o formalismo, a exceção.
Pietro Perlingieri faz referência à “desvinculação” entre forma e formalismo, afirmando que este só se configura quando se assume a forma como um fim em si mesmo, cujos efeitos elevar-se-iam ao ponto de fazer prescindir a consideração dos fundamentos que a justificam. Não seria “formalismo” o recurso e o respeito à forma que traduzam a garantia de interesses ou de valores privilegiados no ordenamento constitucional.
Artigo 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Artigo 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.
Artigo 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
Por reserva mental entende-se a manifestação de vontade dissonante de seu real conteúdo, de modo que os efeitos decorrentes do ato praticado não sejam queridos pelo declarante. Se a discrepância entre vontade e declaração for desconhecida da outra parte, a solução adotada pelo legislador é a manutenção do negócio jurídico, especialmente pela necessidade de se garantir a proteção do contratante de boa-fé e, consequentemente, a segurança das relações intersubjetivas. Todavia, se era do conhecimento da outra parte a divergência entre vontade e declaração, a consequência será a nulidade do negócio jurídico.
A reserva mental difere da simulação, porque nesta “há um acordo simulatório com o intuito de enganar terceiros, enquanto na reserva mental a finalidade é enganar o próprio declaratório”.
Artigo 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
“O silêncio como demonstração de aceitação, ou seja, na elaboração de um negócio jurídico, seja na novação, transformação ou cessação do negócio já existente, é o silêncio intencional, refletido e amadurecido. É a concordância fruto de firme deliberação”.
Dessa forma, caberá ao juiz, em cada caso, apreciar a validade do silêncio como expressão volitiva de quem se cala.
O ordenamento jurídico pode, da mesma forma, dar conotação positiva ou negativa ao silêncio como forma de manifestação volitiva.
Artigo 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
Afirma Vicente Ráo que, no sopesar da declaração e da vontade, juridicamente eficaz não é infirmar-se a validade da vontade como fato interior, tampouco a declaração como fato externo: juridicamente eficaz é a declaração de vontade concebida como união destes dois elementos. Destaca que perante o direito, tão irrelevante é a vontade sem declaração quanto a declaração sem a vontade, pois ao direito só interessa o movimento atuado da vontade, de modo tal que a declaração possa ser havida, não como a comunicação de um querer dela distinto e situado no passado, mas do querer consistente em seu conteúdo presente.
Artigo 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Além de buscar a conjugação do real sentido da vontade à interpretação literal, o intérprete deverá ter como norte o princípio da boa-fé, que informa a tendência objetiva e que, consequentemente, ressalta este caráter no processo de interpretação dos negócios. Tal princípio há de se configurar abstratamente, ainda que se reconheça que a sua aplicação não admite um raciocínio do tipo lógico-subsuntivo, mas que será necessariamente influenciada pelas circunstâncias que informem a relação concreta sobre a qual incida.
Na teoria contratual, a boa-fé objetiva tem três funções: a) interpretativa dos contratos; b) restritiva do exercício abusivo de direitos contratuais; e c) criadora de deveres anexos ou acessórios à prestação principal, como o dever de informação e o dever de lealdade. A boa-fé objetiva diz sempre respeito ao conteúdo objetivo do negócio celebrado entre as partes.
CAPÍTULO III: DA CONDIÇÃO, DO TERMO E DO ENCARGO
Artigo 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
1. Linhas gerais das modalidade dos negócios jurídicos: os sujeitos têm a possibilidade de manifestar sua vontade no sentido de modificar e limitar os efeitos que naturalmente seriam produzidos, o que é possível mediante a aposição de elementos acidentais, cláusulas acessórias que, acrescidas ao ato, podem interferir tanto na criação do direito quanto na produção das consequências jurídicas relacionadas a seu implemento.
Os elementos acidentais, que representam uma autolimitação da vontade, são comumente denominados de modalidades do negócio jurídico, senso as principais a condição, o termo e o encargo. As partes, no entanto, podem criar outros elementos acessórios, desde que não contrariem a ordem pública, os preceitos imperativos de lei, os bons costumes e os próprios elementos essenciais do negócio.
2. Condição: é a cláusula, voluntariamente aposta a um negócio jurídico, que subordina o nascimento ou a extinção de um direito a um evento futuro e incerto, cuja existência não se presume. Um negócio jurídico condicional tem seus efeitos subordinados ao evento estipulado pelas partes, quer seja para efetivá-lo ou para resolvê-lo. Trata-se, portanto, de um mecanismo que amplia o espaço da autonomia privada.
3. Elementos: são basicamente três os elementos que, conjugados, apontam para a condição em sentido próprio: a) a incerteza (exprime uma verdade hipotética que assenta na existência da dúvida acerca da realização do evento); b) a futuridade (fortalece a natureza objetiva da incerteza); e c) a voluntariedade (necessidade de declaração de vontade positiva das partes, não sendo possível presumir sua existência, nem mesmo inferi-la).
4. Condições impróprias: quando não reunirem a incerteza, a futuridade e a voluntariedade, elementos indispensáveis para sua configuração como condição no seu sentido técnico próprio.
Artigo 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
1. Generalidades: são ilícitas as condições contrárias ao direito. Por serem proibidas, tornam nulo o negócio jurídico. Entre as condições defesas, e que levam à nulidade do negócio, estão as contraditórias ou perplexas, além das puramente potestativas.
2. Condição perplexa: também denominada de contraditória, perplexa é a condição que priva de todo efeito o negócio jurídico. Trata-se de declaração de vontade cujo conteúdo traduz uma contradição, condicionando a sua eficácia a um evento que, por si só, não permite qualquer efeito.
3. Classificação conforme a vontade: a) casual (quando o evento tratar-se de fortuito, pois sua verificação não depende das partes do negócio jurídico, mas do acaso ou da vontade exclusiva de terceiro); b) potestativa (quando a condição depender da vontade de uma das partes); c) mista (quando conjugar ambos os sentidos, tanto o aspecto fortuito quanto a vontade das partes).
Artigo 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:
I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;
II – as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.
1. As condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas: as primeiras são aquelas que contradizem a natureza das coisas, impedindo, desde logo, que suas disposições sejam alcançáveis. As primeiras, por sua vez, são mais graves e atingem o ordenamento jurídico porque, via de regra, contrariam normas cogentes, imodificáveis pela vontade das partes.
2. As condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita: as primeiras consistem naquelas condições que ofendem os valores tutelados pelo ordenamento jurídico, traduzindo conteúdo contrário ao direito; ao passo que a segunda constitui condição que representa uma especificação do sentido de ilicitude, remetendo à prática de um ato ilícito.
3. As condições incompreensíveis ou contraditórias: as primeiras são aquelas que têm conteúdo confuso, obscuro, incongruente, de modo que não seja possível determinar o que efetivamente quiseram as partes do negócio jurídico; ao passo que as segundas (contraditórias ou perplexas) consistem naquelas que privam o negócio jurídico de todo e qualquer efeito. Ambas são passíveis de nulidade do negócio jurídico que subordinam.
Artigo 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.
Artigo 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.
Trata-se de uma expectativa de direito, nada sendo exigível no momento, mas podendo vir a ser exatamente porque a condição age sobre a existência do direito, como se infere do próprio teor do dispositivo.
O ínterim entre a declaração de vontade e o implemento da condição é chamado de período de pendência.
Artigo 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob a condição suspensiva e, pendente esta, fizer quanto àquelas novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.
Artigo 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
Contrariamente aos negócios subordinados a uma condição suspensiva, aqueles realizados com condição resolutiva têm eficácia desde a sua celebração, tendo seu fim condicionado à realização de um evento futuro e incerto. Verificado este, o negócio imediatamente perde a eficácia. Nesta espécie, a aquisição de direito é imediata, todavia com caráter resolúvel, e permanecerá na esfera do adquirente se e até quando a condição ocorrer.
Artigo 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme os ditames da boa-fé.
Artigo 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita seu implemento.
O aspecto principal do dispositivo consiste na caracterização de um ato voluntário capaz de obstar ou fazer realizar a condição em proveito próprio.
Costuma-se considerar o advérbio maliciosamente como requisito da culpa na aplicação da regra em análise, pois há que se considerar o princípio da boa-fé objetiva. A malícia constitui-se, portanto, na interferência voluntária para o fim reprovado pelo ordenamento, sendo dispensável, por isso mesmo, a presença do dolo.
Artigo 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.
Os atos conservatórios garantidos pelo CC compreendem aqueles tendentes a afastar os embaraços ou obstáculos que possam interferir na realização da condição, sem caráter de execução da mesma.
Artigo 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.
1. Conceito: o termo consiste no elemento que subordina o início ou o término da eficácia do negócio jurídico a um evento futuro e certo. A futuridade e a certeza do evento caracterizam o termo.
2. Espécie: a) quando referente ao início da eficácia temos: termo inicial (desde a sua conclusão se opera a plena aquisição do direito, sendo que sua existência suspende ou retarda a eficácia até o momento convencionado), suspensivo, dilatório, ou dies a quo; b) quando incide sobre o momento da cessação dos efeitos do negócio, o termo é dito: final, resolutivo, peremptório ou dies ad quem; c) quanto ao momento de sua ocorrência, o termo pode ser certo ou determinado (quando for conhecido) ou incerto ou indeterminado (quando for desconhecido); d) quanto ao modo de nascimento, o termo pode ser convencional (nasce da vontade das partes), legal ou de direito (se decorrer de uma disposição legal), ou judicial ou de graça (se proveniente de uma decisão judicial); e) pelo modo que o termo se revela no negócio jurídico, ele poderá ser expresso (quando compõe o teor do negócio) ou tácito (quando sua existência pode ser inferida das circunstâncias negociais).
Artigo 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluídos o dia do começo, e incluído o do vencimento.
§1º Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.
§2º Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§3º Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
§4º Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.
Enquanto o termo delimita o momento do início ou fim dos efeitos do negócio, o prazo consiste no período de “tempo que decorre entre a declaração e o termo, ou entre este e um dado acontecimento, ou entre a constituição do negócio e o dia em que começarão ou cessarão os seus efeitos”.
Artigo 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu o benefício do credor, ou de ambos os contratantes.
Artigo 134. Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exequíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo.
O termo inicial indica o momento em que se inicia a eficácia de um negócio jurídico. Nos negócios causa mortis, não se admite a aposição de termo para determinar o início ou o fim do direito de herdeiro (artigo 1.898), pois a transmissão da herança se dá no mesmo momento da morte (artigo 1.784).
Os negócio inter vivos, sem prazo que determine o momento da sua eficácia, são exequíveis desde a sua celebração. Trata-se de norma supletiva, aplicável apenas no silêncio das partes.
Artigo 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva.
O termo inicial suspende o exercício, não a aquisição do direito; enquanto a condição suspensiva impede a aquisição e o exercício do direito até que se verifique. O termo inicial e a condição suspensiva, portanto, têm em comum a peculiaridade de tornar pendente a eficácia do negócio jurídico até a ocorrência de um evento futuro.
O termo final põe fim a um prazo, extinguindo o direito. A condição resolutiva também faz cessar o negócio que a ela esteja subordinado.
O termo também pode ser impossível, sendo cabível atribuir-lhe as mesmas consequências previstas para a condição. Seja o termo inicial ou final, acarretará a nulidade do negócio, se inicial, e tido por inexistente, se final.
Artigo 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.
Por encargo ou modo entende-se a cláusula que, aposta a negócios jurídicos gratuitos, atinge seus efeitos (sem impedir a aquisição ou exercício do direito), impondo-lhes uma obrigação de dar, fazer ou não fazer, sem que esta configure uma contraprestação. Trata-se de um sacrifício que o beneficiário aceita, representando o reconhecimento do benefício recebido. A rigor, seus objetivo é dar eficácia a motivos ou interesses particulares do autor da liberalidade que, uma vez inseridos a um negócio, o vincularão na medida em que o beneficiário o aceite.
Artigo 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.
O modus é determinação anexa e não inexa, e, por conseguinte, se o objeto do encargo é ilícito ou impossível, nulo é o encargo, e não o ato jurídico a que se anexa. Neste caso, deve o encargo ser considerado não escrito, não havendo contaminação da disposição a que foi aposto, a não ser que, pela interpretação da vontade das partes ou do disponente, se conclua que o modus foi o único motivo determinante do negócio, e, aí, a consequência é a nulidade do negócio.
CAPÍTULO IV: DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
Seção I: do Erro ou da Ignorância
Artigo 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
1. Definição: define-se o erro como uma falsa representação da realidade que influencia de maneira determinante a manifestação de vontade. Esta não se formaria, ou se formaria diversamente, se o equívoco não existisse.
2. Erro substancial ou essencial: quando a parte declara vontade, mas se soubesse da realidade não haveria a prática do negócio jurídico. Pode ser objeto de anulabilidade do negócio jurídico. Há uma má formação da vontade quanto à percepção errônea da realidade.
3. Erro acidental: quando a partir da falsa percepção da realidade pelo agente, mesmo que soubesse da realidade ainda assim haveria a prática do negócio jurídico. Neste caso não há a possibilidade da anulabilidade do negócio jurídico.
4. Recognoscibilidade do erro: passível de anulabilidade do negócio, pois “a perceptibilidade do erro está na parte que recebe a declaração de vontade viciada pela falsa noção da realidade. Trata-se, portanto, do requisito da Recognoscibilidade (ou tão-somente cognoscibilidade) do erro pelo outro contratante”.
Artigo 139. O erro é substancial quando:
I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
1. Hipóteses de erro substancial: a) a natureza do negócio jurídico; b) o objeto principal da declaração; c) alguma das qualidades essenciais do objeto principal da declaração; d) a identidade ou as qualidades essenciais da pessoa a quem a declaração se refere (também aplicável ao erro essencial no matrimônio).
Artigo 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
II – a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;
III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;
IV – a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.
I: Erro pela identidade pessoal (sujeito se equivoca quanto à própria pessoa nubente) ou social (equívoco do sujeito quanto às características sociais da pessoa);
III: Defeito físico irremediável não sabido pela parte (defeito sem cura e de desconhecimento), como no caso da impotência (coeundi – impotência para manter relações sexuais, a única passível de motivo para anulabilidade do casamento - ou generandi – impossibilidade de geração de filhos mesmo com a relação sexual, casos de esterilidade, por exemplo).
2. Erro de direito: consiste no falso conhecimento do direito aplicável, ou de sua interpretação, frustrando assim as expectativas nas quais se baseou a declaração de vontade. O erro de direito somente vicia a vontade quando é motivo determinante da declaração. De fato, quem incide em erro de direito não viola norma jurídica (o que seria inescusável), mas celebra negócio tendo em vista uma disciplina jurídica equivocada, em função da qual sua declaração de vontade foi consubstanciada.
Artigo 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
Em regra, os motivos que levaram o agente a praticar determinado negócio jurídico são irrelevantes para o direito. No entanto, o motivo, em determinadas circunstâncias, pode configurar a razão determinante da realização de um negócio jurídico, se o agente só o celebrou para tal finalidade, que o motivou. Nesta hipótese, falso o motivo, viciada estará a manifestação volitiva a ele vinculada, ensejando a anulação do negócio jurídico.
Artigo 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.
Artigo 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.
Artigo 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.
Artigo 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.
Seção II: do Dolo
Artigo 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for sua causa.
O dolo consiste em manobras ou maquinações efetuadas com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o declarante não fosse enganado. Diferencia-se o dolo do erro, pois naquele há um “erro provocado intencionalmente”, ao passo que este é considerado um vício de consentimento, deriva de um equívoco da própria vítima, sendo espontâneo.
O dolo pode ser:
a) Substancial (essencial, principal ou dolus causam): existe a atuação maliciosa de um sujeito quanto a formação de vontade de outrem. Em caso de inexistência de tal situação, não haveria o negócio jurídico. É passível de anulabilidade do negócio jurídico.
b) Acidental (dolus incidens): mesmo que não houvesse a atuação maliciosa de outrem, ainda assim haveria a prática do negócio jurídico. Geralmente, ocorre de modo ao incremento ou depreciação do objeto visando influenciar a vontade do agente. Não é passível de anulabilidade do negócio jurídico, porém pode gerar uma indenização por perdas e danos ou redução da prestação acordada.
c) Dolo praticado pelo outro contratante: hipótese comum que é passível de proposição de indenização por perdas e danos contra o outro contratante.
d) Dolo praticado por terceiro: conforme o artigo 148 do CC02. Pode haver a anulabilidade do negócio jurídico ou não (garantia do outro contratante de boa-fé).
e) Dolo por omissão: pode se praticar o dolo por omissão (quando do silêncio, por exemplo).
f) Dolo recíproco: quando ambas as partes induzem-se ao erro, maliciosamente, influenciando negativamente as duas partes. Neste caso, o direito ignora o dolo e o negócio não será validado. Há o desprezo dos dois maus elementos, ou seja, ambos não receberão proteção do direito.
Artigo 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
Artigo 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outro parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
Artigo 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.
Artigo 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.
Os representantes não são considerados terceiros, pois, nessa qualidade, agem como se fossem o próprio representado, havendo, pois, uma normativa específica para os casos de representação.
Artigo 150. Se ambas as partes procederam com dolo, nenhuma pode alega-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.
Seção III: da coação
Artigo 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.
Pode-se definir a coação como qualquer ameaça física ou moral com a qual se constrange alguém à prática de um ato jurídico. Pode ser:
a) Coação principal (absoluta): quando a coação é causa determinante do negócio jurídico, isto é, o negócio não teria sido realizado se não tivesse ocorrido o elemento coator. Incorre na ausência total da vontade, sendo o caso de nulidade ou inexistência do negócio jurídico. A legislação não faz tal diferença, porém a doutrina entende dessa forma.
b) Coação acidental (relativa): há uma opção, aceitando a prática do ato ou enfrentando a coação realizada. Ocorre quando o negócio jurídico se realizaria igualmente, se bem que de maneira diferente. Neste caso, portanto, não se mostra capaz de anular o negócio jurídico, embora surja o dever de ressarcimento do prejuízo.
c) Coação exercida por terceiros: constante no artigo 154 do CC02. O terceiro responde por coação, ao passo que o outro contratante, salvo se nada soubesse das condições de expressão da vontade da outra parte (bona fides), incorrerá na anulabilidade do negócio jurídico. No caso da boa-fé da parte, subsistirá o negócio jurídico, provocando o terceiro a uma indenização por perdas e danos.
Artigo 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
No que se refere à verificação da gravidade da coação, o legislador, para além de um critério abstrato, que levasse em conta a sensação de medo em face de um homem médio, configura a coação a partir do critério concreto, de caráter subjetivo (tal como consta no CC02).
Artigo 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.
As excludentes de coação podem ser: a) exercício regular de um direito: ameaça de um indivíduo no intuito de fazer outro exercer seu próprio direito (deve ser considerada a possibilidade de abuso de direito); b) temor reverencial: certos setores da sociedade que geram respeito reverencial (Igreja, Forças Armadas, Família, Escola, etc.) não são considerados como coação (o pedido do dízimo num Igreja pelo padre, por exemplo), a não ser em casos abusivos.
Artigo 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
Artigo 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.
Seção IV: do estado de perigo
Artigo 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
1. Caracterização do estado de perigo: a declaração de vontade emitida por pessoa que se encontre em estado de perigo configura anomalia do processo volitivo e, por isso mesmo, foi incorporada ao CC no rol dos defeitos do negócio jurídico, de modo a autorizar a anulabilidade. Configura-se o estado de perigo quando o agente, premido por circunstâncias de fato que exercem forte influência sobre a sua vontade, realiza negócio jurídico em condições desvantajosas, assumindo obrigação excessivamente onerosa.
As circunstâncias, para caracterizarem o estado de perigo como defeito do ato jurídico, deve ser conhecida do outro agente com quem a vítima celebra o negócio. Caso contrário, o negócio não poderá ser anulado, tendo em vista que a parte beneficiada não agiu de má-fé ao contratar.
Observe que o dano deve ser atual ou iminente e grave. Dano atual ou iminente é aquele que já está acontecendo ou está prestes a acontecer, já que não se caracteriza o estado de perigo se o perigo já se passou ou se é futuro. Quanto à gravidade, esta deve ser analisada caso a caso, levando-se em conta as circunstâncias da vítima.
O negócio não será passível de anulação se for oferecido suplemento suficiente a tornar as prestações equivalentes, ou se a parte favorecida concordar com a redução do seu proveito, de modo a retirar da prestação a onerosidade excessiva.
2. Pessoas não pertencentes ao núcleo familiar: “o afeto existente entre as pessoas não se circunscreve ao âmbito familiar, podendo estar perfeitamente configurado o estado de perigo se uma pessoa querida da vítima se encontra na iminência de sofrer um grave dano”.
Seção V: da lesão
Artigo 157. Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
1. O instituto da lesão: a lesão contratual é a desproporção existente entre as prestações de um contrato, verificada no momento da realização do negócio, havendo para uma das partes um aproveitamento indevido decorrente da situação de inferioridade da outra parte.
A consagração de tal instituto no CC é informada pelos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico das prestações, e mitiga o princípio da força obrigatória dos contratos.
2. Caracterização da lesão: a lesão exige a presença de dois requisitos: um objetivo (configura-se na desproporcionalidade das prestações estabelecidas no contrato) e outro subjetivo (“o lesionário tenha se aproveitado da inexperiência do lesado ou que este tenha agido premido pela necessidade”, isto é, exige-se o aproveitamento, mas não o dolo de aproveitamento).
3. Contratos sujeitos à lesão: exige-se, para a incidência da lesão, a presença de um contrato bilateral e oneroso. Alguns autores incluem, ainda, o requisito da comutatividade no contrato, para que este possa ser passível de lesão, excluindo a possibilidade de este vício estar presente nos contratos aleatórios.
4. Requisitos: a) contrato comutativo; b) equivalência nas prestações; c) desequilíbrio deve ser apurado quando da celebração do negócio jurídico; d) existindo um negócio lesivo, o direito brasileiro procura não anular tal negócio, porém somente nos casos de correto suplemento ou da vontade das partes.
5. Solvência: aquele que tem patrimônio apto a sanar suas dívidas.
6. Insolvência: aquele que o patrimônio positivo é menor que o negativo.
7. Patrimônio: o patrimônio do devedor é a garantia de seus credores. Se alguém tem dívida, o patrimônio da pessoa é quem responde por tal instituto. Isto é, não há prisão civil por dívida (somente em duas hipóteses: depositário infiel e devedor de pensão alimentícia). O Brasil acolheu os dispositivos do Pacto de San Jose de Costa Rica que proíbe a prisão civil por dívida.
Seção VI: da fraude contra credores
Artigo 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda que o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
§1º Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§2º Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.
1. Caracterização da fraude contra credores: vício social que tem por objeto fraudar os credores, evitar a satisfação destes. O patrimônio do devedor é a garantia do credor. Ocorre quando o devedor insolvente, ou na iminência de tornar-se tal, pratica maliciosamente negócios que desfalcam seu patrimônio em detrimento da garantia que este representa para os direitos creditórios alheios.
A doação gratuita (ato de liberalidade e espontaneidade) de bens só poderá ser anulada se não submeter o devedor a insolvência. Pouco importa, neste caso, a posição do destinatário da doação, mesmo que em boa fé. A remissão (perdão) de dívidas, da mesma forma, também é passível de anulação, pois é considerada como fraude contra credores (hipótese de perdão da dívida pelo devedor insolvente).
Dois elementos caracterizam a fraude contra credores, quais sejam: a) o elemento objetivo (eventos damni): consiste no ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente ou por ter agravado ainda mais este estado; e b) elemento subjetivo (consilium fraudis): consubstanciado na intenção do devedor, ou deste aliado com terceiro, de prejudicar o credor, ilidindo os efeitos da cobrança.
Em regra, a anulação dos negócios fraudatórios aproveita apenas aos credores quirografários (devedores comuns, que não possuem nenhuma garantia a mais para o recebimento de seu crédito), uma vez que os credores com garantia real (penhor, hipoteca), em virtude do direito de sequela, dispõem da segurança necessária à satisfação do crédito. No entanto, estes últimos também poderão invocar a fraude contra credores quando, por ato do devedor, tais garantias se tornarem insuficientes.
As garantias podem ser pessoais (um terceiro assumirá o encargo de o devedor principal não pagar o credor, ele o fará – denominado de fiador) ou reais (garantias nas quais uma coisa responde pela dívida, incorrendo na preferência do credor sobre o bem em questão).
A “ação pauliana” significa a ação relativa à anulabilidade de ato praticado contra o credor.
Fraude à execução: relativo à ineficácia do ato, com sanções mais rigorosas. Já há uma ação judicial, porém o devedor se desfaz propositadamente do patrimônio no sentido de fraudar o credor. Boa parte da doutrina entende que tal fraude só ocorre depois da sentença transitada em julgado. Porém, atualmente, a jurisprudência entende, cada vez mais, que tal medida é considerada com o simples ingresso da ação.
Artigo 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
Artigo 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real.
Artigo 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.
Artigo 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.
Artigo 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.
Artigo 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.
Artigo 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.
Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.
CAPÍTULO V: DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO
Artigo 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade;
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
1. Invalidade dos negócios jurídicos: o ato inexistente se distingue do ato inválido pela desnecessidade de qualquer provimento judicial para seu reconhecimento, uma vez que se constitui em um mero ato aparente. Além disso, o ato inexistente não surte qualquer tipo de efeito, enquanto o ato nulo pode surtir efeitos quanto a terceiros de boa-fé.
2. A nulidade do negócio: negócio é nulificado quando consiste em um defeito estrutural, não pode subsistir. A sentença que declara a nulidade do ato, desfazendo-o apagando qualquer efeito gerado (efeitos ex tunc). Estas podem ser declaradas ex officio pelo juiz. Os atos nulos são insupríveis e irratificáveis. Tem alcance geral e eficácia erga omnes.
Artigo 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
1. A simulação como causa de nulidade: os agentes simuladores têm plena consciência em seu agir, buscando com a realização do negócio infringir a lei ou interesse de terceiro.
“Por simulação entende-se o ato de alguém que, conscientemente e com a conivência de outra pessoa, a quem a sua declaração é dirigida, faz conter neste, como vontade declarada, uma coisa que nenhuma delas quer, ou coisa diversa daquela que ambas querem”.
A simulação que tem por intuito fraudar a lei ou enganar terceiro denomina-se de maliciosa, ao passo que se as partes estiverem de boa-fé alcunha-se de inocente. A simulação inocente também causa a nulidade do negócio simulado.
Simulação absoluta: entende-se pela realização de um negócio jurídico de conteúdo vazio, configurando uma mera aparência, destinado a não produzir qualquer efeito jurídico.
Simulação relativa (dissimulação): contém dois atos jurídicos, o negócio simulado que esconde ou camufla outro negócio, que é o dissimulado, e a preservação do negócio dissimulado, verdadeira intenção das partes.
2. Hipóteses de simulação: a) interposição fictícia de pessoa que no ato simulado é a favorecida no negócio; b) próprio conteúdo do negócio, podendo dizer respeito ao seu valor ou à sua natureza; e c) introdução de termos inverídicos nos documentos.
Artigo 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades dever ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer o negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
Artigo 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.
Artigo 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
Artigo 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I – por incapacidade relativa do agente;
II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.
1. A anulabilidade: o defeito não é estrutural, pode existir, mesmo que com certas condições. Sendo decretada a anulabilidade, desfaz-se o negócio, porém subsistem alguns efeitos gerados (ex nunc). Estas só podem ser declaradas assim no interesse da parte, impedindo o juiz de declará-la por ofício. Os atos anuláveis podem ser supridos e ratificados. Na anulabilidade não prevalece o interesse público, mas o interesse particular dos agentes contratantes. Abarca a possibilidade de convalescimento, a legitimidade mais restrita, a impossibilidade de sua pronúncia de ofício pelo juiz e a bastante controversa ausência de efeitos retroativos de sua declaração.
Artigo 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.
Artigo 173. O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.
Artigo 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava.
Artigo 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntária do negócio anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor.
Artigo 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.
Artigo 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.
Artigo 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I – no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
Qual o prazo para pedir a nulidade do negócio jurídico? Os atos nulos são imprescritíveis (não decadenciais), isto é, pode ser nulo a qualquer tempo, sendo contrário a própria lógica da nulidade. A menor parte da doutrina entende que o prazo do ato nulo é de 10 anos, por ser a maior decadência da legislação.
Negócio jurídico realizado por relativamente incapaz é anulável. Contudo, em caso de ocultação da verdadeira idade ou declaração de maioridade, perde-se a tutela do ato.
Princípio da conversão dos negócios jurídicos (artigo 170): conforme vontade das partes quando do desconhecimento de nulidade de negócio, o juiz pode transformar o ato jurídico nulo em negócio que não é nulo.
Princípio da preservação dos negócios jurídicos: tentativa de preservar o negócio jurídico sempre que possível.
Quando um negócio jurídico de invalidade parcial, não há a necessidade de o juiz anular todo o negócio, mas se possível anular somente a parte inválida, se de vontade das partes (artigo184).
Regra geral: se o negócio é inválido, ele não está apto a gerar efeitos. Contudo, alguns negócios inválidos podem gerar efeitos (exemplo: casamento putativo).
Artigo 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
Artigo 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.
Artigo 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga.
Artigo 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
Artigo 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio.
Artigo 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.
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