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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - Ricardo Seitenfus e Deisy Ventura

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – Ricardo Seitenfus e Deisy Ventura

1. Reconhecimento: o reconhecimento é um ato unilateral através do qual um sujeito de direito internacional, sobretudo o Estado, constatando a existência de um fato novo (Estado, Governo, situação ou tratado), cujo evento de criação não teve sua participação, declara, ou admite implicitamente, que o considera como sendo um elemento com quem manterá relações no plano jurídico.

Logo, o reconhecimento deveria fundar-se exclusivamente nos princípios do direito, especialmente o princípio da efetividade da nova situação e o respeito ao jus cogens. Todavia, em realidade, os Estados procedem ao reconhecimento de forma discricionária, conservando ampla latitude para apreciação da oportunidade política.

2. Teorias: consoante a teoria declarativa, o reconhecimento indica que o fato novo independe das intenções ou da apreciação de terceiros. O fato existe per se, e o reconhecimento significa a transposição desta efetiva realidade para o terreno das relações jurídicas.

Teoria constitutiva: ato individual; ato discricionário; ato condicionado a modalidades; e ato político.

Teoria declarativa: ato coletivo; ato obrigatório; ato puro e simples; e ato jurídico.

3. Modalidades: esboçam-se, abaixo, as formas mais frequentes de reconhecimento:

De jure: a mais utilizada. Trata-se de reconhecimento definitivo, irrevogável e pleno, produzindo imediatamente seus efeitos jurídicos.

De facto: aplicada quando novos Estados ainda não estão consolidados. De alcance limitado, sua utilização evita um reconhecimento prematuro.

Individual: geralmente utilizada, o Estado manifesta o reconhecimento comprometendo exclusivamente a si próprio.

Coletiva: um grupo de Estados decide, por razões de oportunidade política, conceder o reconhecimento de forma coletiva. O princípio desta colegialidade não se aplica às organizações internacionais, estas não dispondo do atributo para a concessão coletiva do reconhecimento.

Explícita: maneira formal, escrita e, por vezes, solene, de expressar o reconhecimento.

Tácita: ambígua, de difícil prova, ela tende a cristalizar o caráter discricionário do reconhecimento. Pode ser provado pela manutenção ou troca de agentes diplomáticos e consulares, ou ainda pela assinatura de um tratado.

Discricionária: autonomia absoluta do concedente, que julga o conteúdo de sua declaração de reconhecimento, a forma de divulgá-la e o momento considerado mais propício.

Vinculada: o concedente condiciona o reconhecimento do fato novo (sobretudo surgimento de novos Estados) à oferta de compensações pelo concessionário. Trata-se de prática condenável, porém corrente.

4. Reconhecimento de Estado: segundo a teoria declarativa, um Estado, para ser reconhecido, deve dispor de três elementos fundamentais: território delimitado, população estável e poder de polícia.

5. Reconhecimento de governo: a situação do reconhecimento de governo sugere situação radicalmente distinta, pois, observando os princípios de soberania e independência, os Estados podem dotar-se livremente de variadas formas governamentais. Novos governos podem conquistar o poder através de quaisquer meios, inclusive inconstitucionais, sem que tal fato venha a ser pertinente para o direito internacional. Este exige tão-somente o respeito ao princípio de continuidade dos Estados e o atendimento dos compromissos internacionais.

Tal indiferença é contrariada pela percepção constitutiva. Esta defende o princípio de que um governo resultante de processo inconstitucional (golpe de Estado ou revolução) não pode ser reconhecido como representante do Estado, a não ser que tenha sido legitimado por uma assembleia livremente eleita (Doutrina Tobar, Equador, 1907). Como contraponto à Doutrina Tobar, surgiu em 1930, a Doutrina Estrada (Ministro das Relações Exteriores do México). Estrada considera a prática do reconhecimento de governo como ofensiva à soberania dos Estados, além de perigosa à medida que politiza as relações internacionais, que deveriam manter-se no campo estritamente jurídico.

6. Doutrina do não-reconhecimento: do ponto de vista jurídico, o não-reconhecimento pode ser definido como a recusa expressa ou tácita, de um Estado ou uma organização internacional, de admitir como base jurídica de suas relações internacionais uma nova situação (novo Estado, governo ou anexação de um território), pois ele contesta sua legitimidade ou sua efetividade. Reconhecer uma situação não implica, necessariamente, aprová-la. O reconhecimento é uma constatação, e não um julgamento de valor. O não-reconhecimento acaba servindo como sanção e, diga-se de passagem, um represália ineficaz.

Com o surgimento das Nações Unidas, a guerra de conquista é proibida (art. 2º §4º), e a Carta da OEA estipula que não se reconhecerão as aquisições territoriais ou as vantagens especiais obtidas pela força ou por qualquer outro meio de coação (art. 20).

7. Outros objetos de reconhecimento: existe a possibilidade de reconhecimento de beligerância, de insurgentes, de movimento de libertação nacional e de nação. Trata-se de situação transitórias, nas quais o reconhecimento é constitutivo, pois o reconhecido recolhe direito unicamente através do reconhecimento. Sua concessão é absolutamente discricionária, preservando, em tese, o respeito do direito humanitário (proteção da população civil).

8. Responsabilidade internacional: deve-se perceber que todo o Estado possui a obrigação primária de respeito ao direito internacional, seja ele costumeiro ou convencional. Uma vez inatendida dita obrigação primária, desta violação poderá decorrer uma obrigação secundária de reparação. Assim, segundo Jean Combacau, a responsabilidade, lato sensu, constitui o vínculo jurídico que se estabelece entre um Estado que infringiu a legalidade internacional e o(s) Estado(s) interessados no respeito desta. A responsabilidade do Estado se origina no momento da violação e implica, para o Estado infrator, a obrigação de reparar as consequências do ilícito (responsabilidade stricto sensu) e de submeter-se às reações que o direito internacional eventualmente preconize para o caso concreto. Para os Estados interessados, o instituto da responsabilidade propicia o poder de provocar estas reações.

Tanto o Estado como a organização internacional podem ser pólos ativos e passivos da obrigação de reparar. No que atine ao indivíduo, este somente poderá beneficiar-se do instituto da responsabilidade se o Estado do qua é nacional assumir sua reclamação pessoal como se dele fosse, através da proteção diplomática internacional.


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