ORDEM GLOBAL E TRANSNORMATIVIDADE – Wagner Menezes
1. Sociedade internacional contemporânea e mudanças de paradigmas nas relações jurídicas e no direito internacional: “a sociedade westfaliana, onde se desenhou o Direito Internacional Clássico, foi concebida por um pequeno agrupamento de Estados europeus, centrada em sua autonomia como um ente soberano, em que as relações eram mecânicas e autômatas com a ausência de instrumentos de interação normativa, sendo o Estado o único sujeito de Direitos no plano internacional”.
Conforme descreve José Carlos de Magalhães: “com a criação da ONU e, em decorrência dela, com o surgimento de inúmeras organizações governamentais, bem como, ao lado delas, com o aparecimento das empresas multinacionais, como estratégia desenvolvida pelas empresas nacionais com investimentos no exterior e com rápido desenvolvimento dos meios de comunicações e do progresso da tecnologia industrial em geral, mudaram as características da ordem internacional. [...] tais relações tornaram-se complexas, com a interpenetração de influências, de culturas, de costumes, de povos, fazendo surgir o caráter transnacional das relações internacionais”.
A propósito destas transformações, Octávio Ianni afirma: “tudo parece continuar no mesmo lugar, inabalado, mesmo ou evidente, quando tudo se abala, se transforma, desmorona ou recria de tal maneira que o mundo adquire outros movimentos, diferentes configurações. [...] Sob muitos aspectos, as transformações que estão ocorrendo no mundo no fim do século XX, sugerindo os primeiros lineamentos do XXI, são manifestações de uma ruptura de amplas proporções, por suas implicações práticas e teóricas. Inicia-se outro ciclo da história, talvez mais universal que os outros, cenário espetacular de outra forças e outras lutas sociais”.
Nesse sentido, Boaventura de Souza Santos comenta: “o Estado-nação parece ter perdido a sua centralidade tradicional enquanto unidade privilegiada de iniciativa econômica, social e política. A intensificação de interações que atravessam as fronteiras e as práticas transnacionais corroem a capacidade do Estado-nação para conduzir ou controlar fluxos de pessoas, bens, capital ou ideias, como o fez no passado”.
Entende-se, portanto, que o enfraquecimento do Estado diante do atual contexto internacional decorre dos seguintes fatores:
a) Transferência de certas competências aos foros internacionais;
b) Fluxos e refluxos comerciais que atravessam suas fronteiras e são regulamentados em foros internacionais;
c) Compartilhamento do monopólio de produção normativa com organizações internacionais;
d) Surgimento e fortalecimento de outros atores ativos que abarcaram para si parcela de competência no contexto internacional;
e) Fortalecimento de sujeitos de direito privado que operam transnacionalmente entre suas fronteiras;
f) Surgimento de normas transnacionais e supranacionais.
Segundo André-Jean Arnaud: “em suma, os Estados-nações continuam indispensáveis para desempenhar o papel de guardas, de gendarmes de uma ordem internacional que não pode mais ser objeto de uma regulação pelo Direito Internacional Clássico sem, todavia, questionar a natureza consensual do Direito Internacional em si. Ainda se diz ‘a fraqueza do sistema jurídico internacional, hoje, é largamente um reflexo da fraqueza do sistema internacional no seu conjunto’. Enquanto se espera uma reforma em profundidade da regulação internacional, são os Estados que continuam a ser os produtores de Direito e também os encarregados de sua aplicação”.
É de se advertir que ainda não se pode renunciar ao Direito Internacional Clássico, pois ele continua as relações interestatais. O que se propõe para debate é uma releitura da ampliação de seus mecanismos jurídicos de aplicação e de suas fontes de produção normativa, que são expressão de uma outra sociedade internacional e seu impacto sobre a relação do Direito Internacional com o Direito Interno.
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