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Resumo Constitucional A

· CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE (Curso de Direito Constitucional – Paulo Bonavides).

1. O controle da constitucionalidade, uma consequência das Constituições rígidas: “o sistema das Constituições rígidas assenta numa distinção primacial entre poder constituinte e poderes constituídos. Disso resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder inferior, de competência limitada pela Constituição mesma”.

“O ponto mais grave da questão reside em determinar que órgão deve exercer o chamado controle de constitucionalidade. Sem esse controle, a supremacia da norma constitucional seria vã, frustrando-se assim a máxima vantagem que a Constituição rígida e limitativa de poderes oferece ao correto, harmônico e equilibrado funcionamento dos órgãos do Estado e sobretudo à garantia dos direitos enumerados na lei fundamental”.

2. O controle formal: “o controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado”.

O controle em questão não avalia o teor, o conteúdo das decisões, mas somente refere-se ao ponto de vista subjetivo, ao órgão de onde emana a lei, visando averiguar a observância da regularidade na repartição das competências ou para estabelecer nos sistemas federativos o equilíbrio constitucional dos poderes.

3. O controle material: “o controle material de Constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais”.

4. O controle por um órgão político: “determinados sistemas constitucionais, reconhecendo que o controle de constitucionalidade das leis tem efeitos políticos e confere ao órgão exercitante uma posição de preeminência no Estado, cuidam mais adequado e aconselhável cometê-lo a um corpo político, normalmente distinto do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Deixam assim de confiá-lo aos tribunais”.

O controle citado acima tem sua origem na França revolucionária, na figura do jurista Sieyès. Ele propôs um Jurie Constitutionaire, de natureza representativa, dotado de competência para anular leis e julgar reclamações contra atos inconstitucionais.

“A meta do controle político é, segundo Michel-Henry Fabre, assegurar a repartição constitucional da competências, relegando a segundo plano a proteção direta das liberdades individuais. O seu principal efeito, acrescenta o publicista, consiste em tolher o nascimento jurídico da lei inconstitucional. Distingue o mesmo autor na doutrina corrente duas categorias de controle político: o controle prévio, que antecede a votação da lei, e o controle a posteriori, feito após votação da lei”.

5. O controle por um órgão jurisdicional:produz a adoção do sistema em apreço um grave problema teórico, decorrente de o juiz ou tribunal investido nas faculdades desse controle assumir uma posição eminencialmente política”.

“Com efeito, ao adquirir supremacia decisória tocante à verificação de constitucionalidade dos atos executivos e legislativos, o órgão judiciário estaria tutelando o próprio Estado”.

“Não há dúvida de que exercido no interesse dos cidadãos, o controle jurisdicional se compadece melhor com a natureza das Constituições rígidas e sobretudo com o centro de sua inspiração primordial – a garantia da liberdade humana, a guarda e proteção de alguns valores liberais que as sociedades livres reputam inabdicáveis. A introdução do sobredito controle no ordenamento jurídico é a coluna de sustentação do Estado de direito, onde ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis”.

a) O controle por via de exceção (controle concreto): com aplicação às inconstitucionalidades legislativas, ocorre quando uma das partes da lide, em defesa de sua causa, a objeção da inconstitucionalidade da lei que se lhe quer aplicar. Na ausência do caso concreto (litígio) e sem a provocação de uma das partes, não há intervenção judicial. Não conduz à anulação da lei, mas tão-somente à sua não-aplicação ao caso particular (controle por via incidental). “A lei que ofende a Constituição não desaparece assim da ordem jurídica, do corpo ou sistema das leis, podendo ainda ter aplicação noutro efeito, a menos que o poder competente a revogue”.

b) O controle por via de ação (controle abstrato): “o sistema de controle por via de ação permite o controle da norma ‘in abstracto’ por meio de uma ação de inconstitucionalidade prevista formalmente no texto constitucional. Trata-se, como se vê, ao contrário da via de exceção, de um controle direto. Nesse caso, impugna-se perante determinado tribunal uma lei, que poderá perder sua validade constitucional e consequentemente ser anulada ‘erga omnes’ (com relação a todos)”.

Uma vez declarada inconstitucional, a lei é removida da ordem jurídica com a qual se apresenta incompatível.

“Um deplorável senão desse sistema é o mesmo que em geral se observa nas formas de controle por via de ação: a faculdade recusada aos cidadãos de poderem diretamente movimentar a instância de controle, a que só tem acesso, nas controvérsias constitucionais relativas a leis, os juízes ordinários ou administrativos”.

2. O sistema americano de controle da constitucionalidade das leis: “assinalamos a base jurisprudencial desse controle, que principia na decisão do caso ‘Marbury versus Madison’, com o célebre raciocínio do juiz Marshall sobre a natureza das Constituições escritas. Sustentava ele então a irrefutável tese da supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária, ao declarar, na espécie julgada, que todo ato do Congresso contrário à Constituição federal deveria ser tido por nulo, inválido e ineficaz”.

“As vias recursais se exaurem no aresto final da Suprema Corte. Exerce ela função unificadora da jurisprudência, pondo termo assim às vacilações interpretativas do mesmo passo que remove o estado de incerteza e apreensão acerca da validade da lei, oriunda de decisões contraditórias dos órgãos de jurisdição inferior”.

3. A exclusão das questões políticas tocante ao controle jurisdicional da constitucionalidade das leis: Rui Barbosa retrata o caráter político da via de ação: “se fosse lícito levantar a questão de constitucionalidade principal, em vez de incidentalmente, tratar o exame do ato inconstitucional como meio revogatório da lei ou de decreto, que se censura, a questão, ainda que de sua índole não o fosse, viria a se tornar política, pela sua forma, pela sua direção, pelo seu alcance. Política: porque abriria combate entre os poderes da União, entregando a uma autoridade soberana de cassação sobre os atos dos outros”.

“A esfera do tribunal é unicamente para decidir acerca dos direitos individuais, não investigar de que modo o Executivo (ou seus funcionários) se desempenha de encargos cometidos à sua discrição”.

“a dificuldade em caracterizar o que seja questão política para fazê-la defesa ao exame de constitucionalidade dos juízes e tribunais é tanto maior quanto se politizarem no Estado social contemporâneo os direitos individuais, com a perda consequente daqueles traços que na época do liberalismo tão nítida fizeram a fronteira entre o indivíduo e o Estado”.

“A alçada judicial, ao conhecer dos atos legislativos que importam ofensa à Constituição em matéria de direitos individuais, traça limites eficazes à onipotência do Estado, desarmando-o, nos sistemas constitucionais, daquele poder soberano de impor aos governados uma vontade sem freios. O direito que nos tribunais limita a ação política do legislador em verdade tolhe os poderes absolutos do Estado”.

Em suma: as questões políticas, expressas em atos legislativos e de governo, fogem à alçada judicial, não sendo objeto de exame de constitucionalidade, salvo se interferirem com a existência constitucional de direitos individuais.

4. O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade das leis: temos no Brasil dois controles de constitucionalidade de leis: o controle por via de exceção e por via de ação.

8.1) A via de exceção, um controle já tradicional: “a via de exceção, enquanto via judiciária que é, penetra nosso ordenamento jurídico graças ao sistema republicano e federativo pela Constituição de 1891. A Justiça da União e as justiças dos Estados foram reconhecidas de todo competentes para recusar aplicabilidade a atos inconstitucionais assim do Executivo como do Legislativo”.

8.2) A moderna introdução da via de ação: “os historiadores constitucionais quase todos coincidem em assinalar a importância da Constituição de 1934 como um expressivo marco na progressão do país rumo a um controle direto de constitucionalidade. Com efeito, quatro inovações básicas de teor constitucional configuraram relevante contribuição”, a saber: a instituição da maioria absoluta de votos da totalidade dos juízes; a suspensão, total ou parcial, de qualquer lei ou ato cuja inconstitucionalidade tenha sido declarada pelo Poder Judiciário; a provocação do Procurador-Geral da República no sentido de a Suprema Corte tomar conhecimento de inconstitucionalidades; e a instituição do mandado de segurança.

A lei nº 2.271/54 resultou na criação da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade. A emenda constitucional 16, de 1965, alargou o âmbito material do controle por via de ação (antes bem delimitado).

8.3) Controvérsia sobre a iniciativa do controle por via de ação o direito constitucional brasileiro: à época da Ditadura Militar brasileira, o grande conflito girava em torno da obrigatoriedade ou não do Procurador-Geral da República, o único competente para provocar a inconstitucionalidade de ato ou lei perante a Suprema Corte, de enviar todos os pedidos realizados pela população ou somente os que lhe parecessem corretos. “Afigura-nos, todavia, que em razão da relevância da matéria constitucional deve o Procurador-Geral da República encaminhar a representação, ainda que com parecer contrário. De sorte que, em assim procedendo, não subtrairá a matéria arguida de inconstitucionalidade ao conhecimento da Corte e esta, se entender que há no caso representação sem titular, determinará seu arquivamento”.

8.4) A solução do problema pela Constituição de 1988: sanou-se o problema sobredito ampliando os cargos capazes de proporem ADIn por via direta (antes somente o Procurador-Geral da República podia). Agora, consoante o artigo 103 da CF, habilitaram-se o Presidente, o Senado, a Câmara dos Deputados, a Assembleia Legislativa, o Governador, o Conselho Nacional da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidades de classe de âmbito nacional.

Além disso, criou-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional. “Esse novo instrumento, provavelmente de inspiração constitucional portuguesa, se dirige sem dúvida aos comportamentos omissivos do legislador como uma garantia destinada a resolver o problema de eficácia das normas constitucionais programáticas, principalmente em matéria de direitos sociais”.

5. O controle abstrato de constitucionalidade: nulidade e incompatibilidade de normas jurídicas inconstitucionais: a doutrina e a jurisprudência alemã e austríaca, embasados no positivismo kelseniano, veem a nulidade de ato inconstitucional com efeito ex tunc como atentatório à segurança jurídica, além de impedir o Governo de preparar durante tal espaço de tempo norma constitucional. “A sentença do Tribunal Constitucional, mediante a qual se reconhece a inconstitucionalidade de uma lei, invalida essa lei. A anulação das leis tem por conseguinte, como no controle abstrato de normas, eficácia tão-somente ‘ex nunc’. Até a entrada em vigor da invalidação todos os demais atos de execução produzidos pela administração e pelos tribunais não serão atingidos pela anulação”.

Ainda, segundo as fontes supracitadas, procura-se, antes de retirar a lei inconstitucional do ordenamento jurídico, adequar a inconstitucionalidade desta mediante processo legislativo visando compatibilizá-la com a Constituição. Nesse ínterim, poderá a Corte manter ao mesmo passo a provisória validade da lei. Afirma o Prof. Klaus Stern: “o último objetivo emergiu deveras claro, em época mais recente, quando o Tribunal Constitucional Federal deixou de declarar por inválida em todos os casos uma norma inconstitucional, mas tão-somente constatar sua colisão com a Constituição e exortar o legislador a restabelecer a compatibilidade constitucional. Com este ‘apelo’ ao legislador, se vinculam, ao mesmo passo, com frequência, ‘diretivas’ de como o legislador tem que legislar”.


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