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Direito Civil - Texto - DEFESA DE DIREITOS COLETIVOS E DEFESA COLETIVA DE DIREITOS

       DEFESA DE DIREITOS COLETIVOS E DEFESA COLETIVA DE DIREITOS – Teori Albino Zavascki
1.      Introdução: os últimos anos marcaram no Brasil um período de importantes inovações legislativas a respeito dos chamados “direitos e interesses difusos e coletivos”, e dos mecanismos de tutela coletiva de direitos, destacando-se: a lei número 1.347 de 24/07/1985 (disciplinando a chamada “ação civil pública”), a Constituição de 1988 (alargando o âmbito de ação popular, criando o mandado de segurança coletivo e a legitimação do MP para promover a ação civil pública e privilegiando a defesa do consumidor) e, finalmente, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (lei número 8.078, de 11/09/1990, que, entre outras novidades, introduziu mecanismo de defesa coletiva para “direitos individuais homogêneos”).
É preciso que ao se confunda defesa de direitos coletivos (e difusos) com a defesa coletiva de direitos (individuais). Direitos coletivo é direito transindividual (= sem titular determinado) e indivisível. Pode ser difuso ou coletivo stricto sensu. Já os direitos individuais homogêneos são, na verdade, simplesmente direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não desvirtua essa sua natureza, mas simplesmente os relaciona a outros direitos individuais assemelhados, permitindo a defesa coletiva de todos eles. “Coletivo”, na expressão “direito coletivo” é qualificativo de “direito” e por certo nada tem a ver com os meios de tutela. Já quando se fala em “defesa coletiva” o que se está qualificando é o modo de tutelar o direito, o instrumento de sua defesa. Identificar os instrumentos próprios para defesa de cada uma dessas categorias de direitos e estabelecer os limites que o legislador impôs à sua utilização.
2.      Direitos difusos e coletivos e direitos individuais homogêneos: distinções.
Direitos difusos: (aspecto subjetivo) transindividuais, com indeterminação absoluta dos titulares (= não têm titular individual e a ligação entre os vários titulares difusos decorre de mera circunstância de fato. No exemplo: morar na mesma região). (aspecto objetivo) Indivisíveis (= não podem ser satisfeitos nem lesados senão em forma que afete a todos os possíveis titulares). (exemplo) direito ao meio ambiente sadio (artigo 225º CF). Em decorrência de sua natureza: a. são insuscetíveis de apropriação individual; b. são insuscetíveis de transmissão, seja por ato inter vivos, seja mortis causa; c. são insuscetíveis de renúncia ou transação; d. sua defesa em juízo se dá sempre em forma de substituição processual (o sujeito ativo da relação processual não é o sujeito ativo da relação do direito material); e. a mutação dos titulares ativos difusos da relação de direito se dá com absoluta informalidade jurídica (basta alteração nas circunstâncias de fato).
Direitos coletivos: (aspecto subjetivo) transindividuais, com determinação relativa dos titulares (= não têm titular individual e a ligação entre os vários titulares coletivos decorre de uma relação jurídica base. Exemplo: o Estatuto da OAB). (aspecto objetivo) indivisíveis (= não podem ser satisfeitos nem lesados senão em forma que afete a todos os possíveis titulares). (exemplo) direito de classe dos advogados de ter representante na composição dos Tribunais (artigo 107º, I, CF). Em decorrência de sua natureza: a. são insuscetíveis de apropriação individual; b. são insuscetíveis de transmissão, seja por ato inter vivos, seja mortis causa; c. são insuscetíveis de renúncia ou transação; d. sua defesa em juízo se dá sempre em forma de substituição processual (o sujeito ativo da relação processual não é o sujeito ativo da relação do direito material); e. a mutação dos titulares coletivos da relação jurídica de direito se dá com relativa informalidade (basta a adesão ou a exclusão do sujeito à elação jurídica base).
Direitos individuais homogêneos: (aspecto subjetivo) individuais (= há perfeita identificação do sujeito, assim da relação dele com o objeto do seu direito). A ligação que existe com outros sujeitos decorre da circunstância de serem titulares (individuais) de direitos com “origem comum”. (aspecto objetivo) divisíveis (= podem ser satisfeitos ou lesados em forma diferenciada e individualizada, satisfazendo ou lesando um ou alguns titulares sem afetar os demais). (exemplo) direito dos adquirentes a abatimento proporcional do preço pago na aquisição de mercadoria viciada (Código do Consumidor, artigo 18º, §1º, III). Em decorrência de sua natureza: a. individuais e divisíveis, fazem parte do patrimônio individual do seu titular; b. são transmissíveis por ato inter vivos (cessão) ou mortis causa, salvo exceções (direitos extrapatrimoniais); c. são suscetíveis de renúncia e transação, salvo exceções (direitos personalíssimos); d. são defendidos em juízo, geralmente, por seu próprio titular. A defesa por terceiro o será em forma de representação (com aquiescência do titular). O regime de substituição processual dependerá de expressa autorização em lei (artigo 6º CPC); e. a mutação do pólo ativo na relação de direito material, quando admitida, ocorre mediante ato ou fato jurídico típico e específico (contrato, sucessão mortis causa, usucapião, etc.).
3.      Instrumentos de defesa de direitos coletivos: 1. ação civil pública: criada pela lei número 7.347/85, e composta de um conjunto de mecanismos destinados a instrumentar demandas preventivas, cominatórias, reparatórias e cautelares de quaisquer direitos e interesses difusos e coletivos. Trata-se de mecanismo moldado à natureza dos direitos e interesses a que se destina tutelar – difusos e coletivos. Assim, legitimam-se ativamente o MP, as pessoas jurídicas de direito público e interno e entidades e associações que tenham entre suas finalidades institucionais proteção do direito ou interesse a ser demandado em juízo. 2. Ação popular: trata a lei número 4.717/65. Com a configuração que lhe deu a CF88, esta ação visa a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (artigo 5º LXXIII). Legitima-se como demandante o cidadão, ou seja, pessoa física que esteja no gozo de seus direitos políticos.
4.      Instrumentos de defesa coletiva de direitos individuais (homogêneos): 1. Substituição processual e representação: os direitos individuais, em regra, só podem ser demandados em juízo pelos seus próprios titulares. Mais do que um preceito, é um princípio: em se tratando de direitos individuais, ainda que homogêneos ou relacionados com interesses associativos, o regime de representação é a regra, e o da substituição processual é a exceção e como tal deve ser interpretado. 2. Instrumento tradicional. O litisconsórcio ativo por representação: por serem homogêneos, isto é, por terem origem comum e assim se assemelharem a outros direitos individuais prestam-se certos direitos subjetivos à demanda conjunta. Realmente, direitos com origem comum são, sem dúvida, direitos afins por ponto comum de fato ou de direito, tal como prevê o artigo 46º, IV, CPC. 3. Novos instrumentos, por substituição processual: o autor da demanda, substituto, defende em juízo, em nome próprio, direito de outrem, o que faz autonomamente, isto é, independentemente do consentimento ou mesmo da ciência do substituído.
5.      Mandado de segurança coletivo: configurada lesão a direito difuso ou coletivo líquido e certo – e esta configuração certamente não é corriqueira – não haverá empecilho algum ao acesso dos legitimados à via mandamental tradicional. O que há de novo, destarte, é apenas uma forma de defesa coletiva de direitos individuais, e não uma forma de defesa de direitos coletivos. No que se refere ao objeto, a impetração coletiva busca tutelar direitos subjetivos individuais, os quais, para êxito de demanda, devem ser líquidos e certos e estar ameaçados ou violados por ato ou omissão ilegítima de autoridade. Para ajuizar qualquer demanda não basta que o autor detenha legitimidade. É indispensável que tenha também interesse, diz o artigo 3º do CPC. O artigo 5º inciso LXX letra “b” da CF afirma que o mandado de segurança impetrado por organização sindical, entidade de classe ou associação será proposto “em defesa de interesses de seus membros ou associados”. Entretanto, a letra “a” do mesmo inciso, que prevê a legitimação dos Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional, não contém aquela limitação. Ao contrário das demais associações, cujo objeto está voltado para dentro de si mesmas, já que ligado diretamente aos interesses dos associados, os Partidos Políticos visam a objetivos externos, só remotamente relacionados a interesses específicos de seus filiados. Por conseguinte, os filiados ao Partido são, na verdade, instrumentos das atividades e das bandeiras partidárias, e não objeto delas.
6.      Ação civil coletiva: outra hipótese de defesa coletiva de direitos subjetivos individuais é a prevista nos artigos 91º a 100º do Código de Proteção de Defesa do Consumidor (lei número 8.078 de 11/09/1990. Os entes legitimados, elencados no artigo 82º, embora comum, têm, quando em defesa de direitos individuais, limitações maiores que quando demandam por direitos coletivos e difusos. Os legitimados estão autorizados a buscar tutela a direitos coletivos relacionados ao consumidor (lei número 8.078/90, artigo 81º, parágrafo único, I e II) e também ao meio ambiente, aos bens e direitos de valor histórico, artístico, estético, paisagístico e turístico e, enfim, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (lei número 7.34785, artigo 1º). Em se tratando de direitos individuais homogêneos, contudo, a legitimação extraordinária é restrita à ação coletiva de responsabilidade por danos individualmente sofridos por consumidores (lei número 8.078/90, artigo 81º, parágrafo único, III, e artigo 91º). No que se refere à natureza da pretensão, diz a Lei que a ação coletiva é de responsabilidade por danos individualmente sofridos (artigo 91º), sendo que “em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados”. A pretensão, conseqüentemente, há de ter natureza condenatória. Obtida a sentença genérica de procedência, cessa a legitimação extraordinária. A ação específica para seu cumprimento, em que os danos serão liquidados e identificados os respectivos titulares, dependerá da iniciativa do próprio titular do direito lesado, que será, por conseguinte, representado e não substituído no processo. Diferentemente do que se passa no mandado de segurança coletivo, aqui, na ação civil coletiva em exame, o legislador brasileiro privilegiou claramente o direito à liberdade da ação, que tem como contrapartida necessária a faculdade de não acionar, e até de renunciar, se esta for a vontade titular do direito.
7.      Defesa coletiva de direitos individuais pelo Ministério Público: a natureza e a finalidade do MP, instituição destinada à defesa de interesses sociais ou individuais indisponíveis (CF, artigo 127) e que está proibida pela Constituição até mesmo de atuar em Juízo em nome de entidades públicas (artigo 129, IX). A atuação do MP objetiva sentença condenatória genérica, mas a liquidação e a execução específica serão promovidas pelo próprio titular do direito individual. Não cabe ao MP bater-se em defesa de direitos ou interesses individuais, ainda que, por terem origem comum, possam ser classificados como homogêneos, aliás, esta tem sido a orientação do STJ. É de asseverar que o artigo 127º da CF atribui ao MP a defesa de interesses sociais, assim entendidos aqueles cuja tutela é importante para preservar a organização e o funcionamento da sociedade e para atender suas necessidades de bem-estar e desenvolvimento. Direitos individuais só devem ser considerados como de interesse social quando sua lesão tiver alcance mais amplo que o da simples soma das lesões individuais, por comprometer também valores comunitários especialmente privilegiados pelo ordenamento jurídico.

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